Formas de Cooperação no Combate á Corrupção

Os institutos jurídicos do Acordo de Leniência (art. 86 e seguintes da Lei 12.529/11; art. 16 da Lei 12.846/13) e da Colaboração Premiada (art. 4º da Lei 12.850/13) permitem que as pessoas jurídicas ou pessoas físicas envolvidas em atividades ilícitas possam reduzir suas penas em troca de informações relevantes e que, de fato, contribuam para a investigação.

Apontar a existência de um ilícito ou indicar os autores da fraude, pode levar os órgãos de persecução penal a conhecerem uma determinada prática criminosa. Com este primeiro indício, toda máquina investigativa será colocada à caça das provas e das evidências do delito.

Mas a pretensão para ser um colaborador exigirá muito mais do que uma acusação vazia, destituída de lógica ou de elementos robustos. A delação/colaboração deverá ter corpo, rigidez, coerência e lógica. A cooperação do colaborador deverá resultar em eficácia investigativa.

Em troca, o Colaborador (art. 4º, Lei 12.850/13) poderá obter, desde a substituição da pena “privativa de liberdade” por “restritiva de direitos”, até o “perdão judicial”, a depender da consistência dos fatos e dos elementos probatórios que ele traga no seu acordo. Quanto maior a densidade e a solidez das provas maior será a vantagem na negociação do acordo.

O artigo 4º da Lei 12.850/13 define a posição do colaborador, como aquele que tenha contribuído efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal. Quanto à voluntariedade, discute-se acerca da liberdade de escolha do colaborador. Isso porque os exemplos colhidos na Operação “Lava Jato” revelaram que uma boa parte dos investigados optaram pela colaboração somente após o encarceramento, pela via da prisão preventiva (art. 311 do CPP) ou temporária (Lei 7.960/89). Dessa forma o conceito de voluntariedade é discutível, na medida em que o indivíduo, privado de sua liberdade, não tem condições plenas de decidir espontânea e racionalmente. A supressão da liberdade coloca o indivíduo em condição de perda da autonomia, fato que lhe imputa severa restrição da vontade. A impossibilidade de se comunicar com os demais envolvidos é um fator determinante que o conduz a entregar os demais elementos da organização (Teoria dos Jogos; Dilema do Prisioneiro, Albert W. Tucker, 1950).

No caso do Acordo de Leniência (art. 16 da Lei 12.846/13), a pessoa jurídica responsável pela prática do delito poderá cooperar com as investigações, desde que dessa colaboração resulte na identificação dos demais envolvidos e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito. Também na Leniência, a solidez dos elementos de prova será fundamental para uma melhor negociação do acordo e da redução da pena.

Portanto, com estes institutos jurídicos – Leniência (2011 e 2013) e Colaboração (2013) na legislação – as investigações foram alimentadas com informações sigilosas pertencentes ao subterrâneo dos fatos que só seriam acessadas com a ajuda das pessoas que participaram ou presenciaram os acontecimentos.

Há, ainda, uma terceira via para obtenção de informações sigilosas e que possam contribuir para a investigação de ilícitos contra a Administração Pública. O art. 4º-B da Lei Federal nº 13.608/2018 criou a figura do “informante premiado”, ou seja, qualquer cidadão que tenha conhecimento de um ilícito poderá denunciar o fato ao órgão de ouvidoria ou correição da Administração Pública e, se procedente a denúncia e, em razão dela, resultar a recuperação do produto do crime, o informante poderá ser recompensado em até 5% do valor recuperado (art. 4º-C, § 3º).

Trata-se da denúncia premiada (ou, bônus pela informação) realizada por qualquer pessoa que não esteja envolvida no delito, mas que, por razões de espaço e tempo, teve conhecimento de algum ilícito e pretende, com sua contribuição, um prêmio proporcional ao patrimônio recuperado. No entanto, a transformação da teoria, em prática, é um longo caminho a ser percorrido.

Um exemplo de premiação efetiva vem da experiência norte-americana. A SECSecurities and Exchange Comission – ligada ao Governo dos EUA, oferece uma premiação para o denunciante. Em 2010, o Congresso Americano emendou o Securities Exchange Act (1934), autorizando a SEC a pagar um prêmio em dinheiro para indivíduos que voluntariamente apresentem informações sobre violações à lei e, com isso, levem à aplicação de sanções às empresas infratoras. A premiação poderá ser de 10% a 30% do montante da sanção, quando as multas aplicadas às empresas forem maiores que US$ 1 milhão. Desde o primeiro prêmio em 2012, a SEC já recompensou 61 denunciantes em valores que chegam a US$ 376 milhões.

Jane Norberg, chefe do Escritório de Denúncias da SEC, disse[1]:

Whistleblowers like those being awarded today may be the source of ‘smoking gun’ evidence and indispensable assistance that strengthens the agency’s ability to protect investors and the capital markets.” (Harry Cassin, FCPA Blog. 26/03/2019)

Obviamente, em um Mercado altamente controlado e que grande parte das empresas americanas possuem ações na Bolsa, qualquer violação às regras produzirá imensos prejuízos a investidores e ao mercado de capitais. Dessa forma, além da forte fiscalização, a atuação de denunciantes facilita a atividade de investigação da SEC e do DOJDepartament of Justice, dos EUA.

A instituição do incentivo financeiro à denúncia pode estimular a “monetização da informação”, transformando qualquer cidadão em potencial denunciante. Ao autor dos delitos econômicos, o espaço de manobra ficará cada vez mais restrito, uma vez que qualquer pessoa – secretária, assessor, assistente, diretor etc. – que tenha tido acesso às informações que conduzam à autoria ou materialidade de um crime, serão potenciais denunciantes ávidos aos ganhos oferecidos na premiação.

[1] Tradução livre: Os denunciantes como os que foram premiados hoje podem ser a fonte de evidências de “sinais de fumaça” e a assistência indispensável que fortalece a capacidade da agência de proteger investidores e o mercado de capitais.

http://www.fcpablog.com/blog/2019/3/26/sec-awards-50-million-to-two-whistleblowers.html

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Publicado em 06 de março de 2020.

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

 

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