Publicou-se no dia 1º de abril de 2021, a Lei federal nº 14.133, ou seja, a novíssima Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
As primeiras dúvidas que surgem são: já está em vigor? o que muda a partir de agora? as alterações são significativas?
Quanto à primeira questão: sim, a Lei já está em vigor e os órgãos que desejarem aplicá-la às novas licitações, poderão fazê-lo. No entanto, ela só será obrigatória a partir do dia 30 de março de 2023. Quanto às alterações promovidas no Código Penal, estas já estão em vigor desde a publicação da lei, sem nenhum prazo de carência.
As licitações e contratos iniciados ou celebrados até o dia 1º de abril de 2021 continuam a obedecer as regras da lei anterior (Lei 8.666/93 e Lei 10.520/02).
Com relação à segunda questão, a partir de agora muita coisa vai mudar, mas procedimentos como o pregão, por exemplo, permanecerão quase que inalterados. Isso porque a nova Lei de Licitações não modificou o procedimento de pregão, que continua tendo a mesma estrutura: a) abertura das propostas; b) classificação; c) lances; d) negociação; e) habilitação; f) declaração do vencedor; g) fase recursal; h) adjudicação; e i) homologação. No entanto, é possível observar uma única alteração prevista na fase de lances: se houver diferença de, pelo menos, 5%, entre a 1ª e 2ª colocadas, o pregoeiro poderá reiniciar a disputa de lances a partir do 2º colocado. (art. 56, § 4º)
Não há dúvida que as alterações são significativas.
A instrução do processo licitatório será modificada sensivelmente, e tornará mais qualificada a informação na fase preparatória da licitação, sobretudo com a exigência do “estudo técnico preliminar”.
Muitos conceitos utilizados na Lei 8.666/93, na Lei 10.520/02 (Lei do Pregão), na Lei 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações), e até mesmo da Lei 13.303/16 (Lei das Estatais), foram incorporados à nova lei, outros foram “requentados” e algumas poucas alterações são realmente novas, tais como a nova modalidade “diálogo competitivo”; a possibilidade de “produção de prova” na fase de recurso administrativo; a cláusula de retomada (art. 102) na hipótese do “seguro-garantia”; dentre outras inovações.
Outro ponto que chamou a atenção foi a restrição à participação de microempresas e empresas de pequeno porte, limitando-as às licitações cujo valor estimado não supere a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento na Lei Complementar nº 123/06. Ou seja, a participação estará limitada às licitações em que o valor estimado do item não for superior a R$ 4,8 milhões (art. 4º).
Entendo que há duas grandes matrizes desta lei: transparência e aumento do rigor.
O novo mandamento estabelece várias exigências que tornam a informação e os dados das licitações e contratos públicos, mais acessíveis ao cidadão. Por exemplo, com a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNPC) será obrigatória a divulgação de todos os editais de licitação, dos contratos e termos aditivos; e será facultativa a publicação dos documentos elaborados na fase preparatória da licitação. Outro exemplo: no caso de obras paradas, a Administração deverá divulgar o motivo e o responsável pela inexecução, além da data prevista para reinício. Além das licitações os processos deverão ser, preferencialmente, na forma eletrônica, o que aumenta a transparência e o nível de controle exercido pela sociedade. Outro exemplo de publicidade da informação é a ordem cronológica dos pagamentos que deverá ser divulgada mensalmente no sítio eletrônico do órgão contratante.
O rigor aumenta também. A determinação para a segregação das funções e o controle dos atos administrativos permitirá, com maior precisão, a identificação do autor da infração no processo licitatório. Procedimentos de apuração, responsabilização e ressarcimento do dano também foram previstos, tanto para o gestor como para a empresa licitante ou contratada. No que se refere à pena estipulada para os crimes licitatórios, houve significativo agravamento. Por exemplo, no delito tipificado como fraude a licitação (antigo art. 90 da Lei 8.666/93; e atual art. 337-E do Código Penal), a pena, que era de “2 a 4 anos de detenção e multa”, passou para “4 a 8 anos de reclusão e multa”.
Há outras alterações que merecem apontamento:
– A nova modalidade “diálogo competitivo” será utilizada para a contratação de objeto que envolva inovação tecnológica e nas situações que não houver uma solução pronta e disponível no mercado. Foram mantidas as demais modalidades (concorrência, pregão, concurso e leilão) e foram extintas as modalidades convite e tomada de preços.
– O Agente de Contratação será a pessoa designada pela autoridade competente para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, impulsionar e dar celeridade ao processo de contratação.
– A duração dos contratos de serviços e fornecimento contínuo poderá ser de até 5 anos, podendo estender-se a 10 anos (arts. 106 e 107).
– Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI): a iniciativa privada será convocada para oferecer projetos, estudos e documentos técnicos que possam contribuir para o desenvolvimento da Administração e as empresas que contribuírem com o projeto poderão participar da licitação para a execução do objeto (art. 81).
– A Matriz de Riscos promete diminuir os litígios (administrativos e judiciais) nos contratos de bens, serviços e obras. A matriz de riscos é a cláusula (prevista no edital da licitação) que definirá os riscos para a realização de determinado objeto, identificando a responsabilidade das partes caso um evento ocorra e provoque o desequilíbrio a equação econômico-financeira do contrato.
– Fase recursal com possibilidade de produção de prova e alegações finais (arts. 157 e 158).
– Possibilidade de a contratada suspender a execução do contrato após 2 meses de atraso no pagamento. Os dispositivos – arts. 137 e 138 – têm redação confusa e prometem fomentar litígios administrativos e judiciais, na medida em que o novo texto legal manteve a mesma falha da Lei 8.666/93, de não estabelecer meios para a rescisão unilateral por parte do contratado.
– O encerramento do contrato não impedirá que o contratado cobre administrativamente o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato (art. 131).
– Possibilidade de prorrogação da vigência da Ata de Registro de Preços (art. 84).
– Previsão para o regime de contratação integrada e semi-integrada para qualquer dimensão de obra: pequena, média ou grande.
Quanto aos “vetos” do Presidente da República – foram 26 dispositivos vetados – houve manifestação técnica do Ministério da Economia, Ministério da Justiça, Ministério da Infraestrutura, Ministério da Saúde, da Advocacia Geral da União, da Controladoria Geral da União, todos opinando e justificando o pedido de veto. Alguns vetos já eram esperados, a exemplo do artigo 172 que determinava que Estados e Municípios deveriam obedecer aos entendimentos do TCU, hipótese que violaria o princípio do pacto federativo. Um veto que desagradou os empreiteiros de obras públicas foi aquele que retirou os parágrafos 2º e 3º do art. 115, nos quais era previsto o depósito dos recursos financeiros em conta vinculada, como condição para a emissão da ordem de serviço. Cada um dos vetos foi justificado e a retirada dos dispositivos legais (vetados) não vai alterar significativamente a aplicação da lei.
Obviamente, o primeiro impacto de um novo texto legal é a natural resistência dos seus aplicadores. No entanto, em que pese o retrocesso de alguns preceitos, é preciso encarar a nova lei com a mente aberta. Abre-se um campo fértil para novas interpretações, debates, polêmicas e, como resultado final, teremos o amadurecimento do nosso sistema de contratações públicas. Boa parte de todo o arcabouço doutrinário e jurisprudencial deverá ser reconstruído, portanto, há um longo caminho a ser percorrido e desbravado.
Publicado em 06 de abril de 2021
(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta